O Poder das Redes Sociais em Razão da Coleta de Dados Pessoais

  • Luiz Augusto Filizzola D’Urso
  • Luiz Flávio Borges D’Urso

As mudanças tecnológicas estão sendo, a cada dia, mais intensas na vida das pessoas e dentre as várias inovações utilizadas diariamente, como os computadores e os smartphones, foi criada uma ferramenta que revolucionou não apenas a forma de interação das pessoas com o mundo, mas, especialmente, as relações interpessoais. Estamos falando das redes sociais.

A primeira rede social utilizada em larga escala e que ficou famosa mundialmente foi o Orkut, que teve sua versão em português lançada há mais de 15 anos. Nesta época, poucos imaginavam como estas empresas poderiam se tornar poderosas e influenciar a vida das pessoas. Muito menos, como os dados pessoais poderiam ser coletados e utilizados para mudar os rumos do mundo.

No engatinhar das recém-nascidas redes sociais, notavam-se os primeiros passos do que viria a ser a massiva exposição virtual, com depoimentos públicos de amigos, postagens de fotos pessoais, comentários em conteúdos e outras ações, tudo realizado dentro daquela plataforma.

É curioso notar que, apesar de ser um serviço gratuito e sem produzir nenhum conteúdo, – uma vez que são os próprios usuários que publicam e alimentam estas plataformas -, as redes sociais passaram a ter um alto valor de mercado, como no caso do Facebook, que no ano de 2021 foi avaliada em cerca de 750 bilhões de dólares. Assim, resta a pergunta: Afinal, como foi possível a valorização destas redes sociais ao longo dos anos, sem que elas cobrassem nada dos usuários?

A questão é que aos poucos, percebeu-se que o usuário, ao utilizar tais plataformas por tantas horas, interagindo com o conteúdo publicado e com os demais usuários, realizando publicações, check-ins, likes e etc., estaria fornecendo uma gigantesca gama de informações pessoais, sociais e até íntimas, e que esses dados relevantes, uma vez coletados, poderiam possuir grande valor no mercado.

Assim, os milissegundos que o usuário visualiza cada foto, as publicações que são curtidas ou compartilhadas, as selfies publicadas, as palavras-chaves escritas/monitoradas ou até a reação corporal (como microexpressões faciais ao olhar e reagir a um conteúdo na tela), passaram a ser coletadas, cadastradas, organizadas e, principalmente, comercializadas.

Maximizando este cenário de evolução das redes sociais, nota-se, também, o crescimento na quantidade de usuários destas ferramentas, bem como, do tempo que se permanece navegando dentro destas plataformas, além de uma verdadeira dependência destas. Para exemplificar esta situação, alguns afirmam que a timeline sem fim, equipara-se a uma sopa de prazeres infinitos, levando os usuários a ficarem horas e horas, navegando nas redes sociais, sem nunca chegar ao fim.

Assim, em razão desta realidade, que contempla esta enorme utilização pelos internautas, tanto pelo número de usuários, como pelo tempo conectado, bem como pela coleta de dados pessoais realizada, as redes sociais se tornaram gigantes bancos de dados de informações sobre as vidas e preferências dos usuários, transformando-se, desta forma, em plataformas extremamente poderosas e extremamente valiosas. Desnecessário lembrar que a informação é poder, de modo que dados coletados, são informações que resultam em poder para quem os detém, neste caso, as próprias redes sociais.

Com relação a estes dados coletados, são eles utilizados de incontáveis maneiras, tornando-se importantes ativos de propaganda, para realização de um marketing digital mais assertivo, uma vez que com eles, é possível fazer o direcionamento para se atingir um maior êxito nas vendas de produtos, induzindo o destinatário desta publicidade (dirigida e pessoalíssima) ao consumo. Isso tudo com base nas informações coletadas, que, como dito, possuem todos os detalhes de preferências, gostos e buscas, revelando, desta forma, os interesses dos usuários.

É por tudo isso que, após tantos anos coletando as informações de seus usuários, o Facebook já conta com um banco de dados com informações de, aproximadamente, 1/7 da população mundial, sendo que, este repositório de dados contém informações sobre tudo o que o usuário escreve, sobre suas fotos e vídeos publicados, sobre as “curtidas” na rede, sobre os compartilhamentos, sobre tudo o que consulta e por onde navega, sobre sua identidade, sua geolocalização e uma infinidade de outras informações importantes.

Além disso, o poder das redes sociais não se limita ao estudo, catalogação e distribuição/comercialização de todos estes dados coletados – o que já seria assustador -, mas também, na possível influência da opinião pública, pois, munidos destes dados, estas redes sociais podem entregar um conteúdo específico, pessoal e personalíssimo para cada usuário, fazendo com que determinados conteúdos tenham mais engajamento e alcance, podendo, portanto, até mesmo interferir nas escolhas e opiniões da população, inclusive em eleições.

O poder destas redes sociais fica escancarado, especialmente quando observada a recente decisão do Facebook de banir o então presidente dos EUA, Donald Trump, de sua plataforma. Trata-se, nada menos, do que a exclusão do perfil de uma das pessoas mais poderosas e influentes do mundo. Assim, verifica-se também o domínio destas plataformas de remover perfis e engajar conteúdos de quem quer que seja.

O fato do Facebook também se tornar uma plataforma de consumo e divulgação de notícias jornalísticas ou informações não oficiais, fez com que a plataforma se tornasse um campo fértil para a propagação de Fake News.

Foi neste cenário absurdo de ausência de controle e grande acúmulo de informações coletadas dos usuários, que se verificou a necessidade de se estabelecer regras que pudessem, no interesse público e dos próprios usuários, limitar a coleta das informações e dados pessoais, a fim de que, caso não fosse autorizada pelo internauta, suas informações não poderiam ser colecionadas e, tampouco utilizadas, especialmente para fins econômicos, tecnológicos ou políticos.

Em tempos de proteção de dados pessoais, uma afirmação ganha relevo: “Se você não paga pelo serviço ou pelo produto, o produto é você”. Esta frase surge em alusão à gratuidade das redes sociais, que nada cobram de seus usuários, e transformam os usuários no próprio produto de seu interesse. Fica, assim, cristalino que estas redes são “remuneradas” através da coleta de dados de seus usuários e de sua possível comercialização final.

Daí a importância da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, no Brasil. A LGPD, lei nº 13.709/18, foi promulgada em agosto de 2018 e sua vigência teve início em setembro de 2020, porém, as punições às empresas, aplicadas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados, em razão do descumprimento das disposições desta lei, passaram a ser efetivadas somente a partir de agosto de 2021.

Desta forma, com o advento da LGPD, uma luz de esperança se acendeu, pois em um mundo de absurda e desmedida invasão de privacidade, através da coleta exagerada de dados, bem como de usuários que não se atentam aos riscos desta situação e sequer observam os termos de usos das redes sociais que utilizam, o advento de uma regulamentação que tenta regrar e diminuir esta exacerbada coleta de dados, é extremamente bem-vinda, especialmente quando tem por objetivo exigir mais transparência e menos exageros.

Portanto, uma nova cultura se avizinha, com o empoderamento dos usuários das redes sociais, que devem lutar por seus direitos, especialmente por um regramento claro, de como pode se dar a coleta e a utilização de dados pessoais, desde que autorizadas e realizadas em quantidade mínima necessária para a atividade da empresa que os coleta, sempre com absoluta transparência. Isto certamente decorrerá de leis de proteção de dados e de regramentos, que insisto, deverão ser claros, para disciplinar as autorizações de captação de dados.

Diante destes novos tempos que estão por vir, reitera-se a necessidade da proteção dos dados pessoais como sendo um patrimônio do cidadão, um bem pessoal, que se torna alvo de incontáveis interesses, carecendo de proteção estatal permanente.

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