Ataques neonazistas e descoberta de células supremacistas acendem debates que merecem atenção

Por Delegado Mauricio Freire

Uma investigação realizada pela Polícia Civil de Santa Catarina recentemente descobriu conexões entre grupos neonazistas brasileiros e uma única organização internacional de supremacia branca. A operação descobriu um  plano de implantação de uma célula radical no Brasil.

O grupo internacional de supremacistas ao qual a polícia se refere surgiu nos Estados Unidos nos anos 1980. Ele se expandiu pelo mundo nas décadas seguintes e recebeu propaganda de bandas de rock, que pregavam o ódio racial em suas letras. 

O neonazismo(do latim, “neo” significa novo) é um movimento contemporâneo inspirado nos ideais nazistas. Em outras palavras, o neonazismo é a retomada do nazismo por meio da manifestação racista de grupos violentos.

Esses grupos são formados sobretudo por jovens, os chamados “neo-nazis” ou “neonazistas”. Atualmente, com a expansão da era da informática, é possível encontrar grupos xenófobos e de inspiração neonazistas nas redes sociais, esses grupos  minimizam o impacto dos horrores que os nazistas causaram, acreditam que no holocausto, o genocídio em massa que matou cerca de 6 milhões de judeus, é um número exagerado.

Em fevereiro, um jovem de 17 anos foi detido por atirar bombas caseiras do tipo coquetel molotov em duas escolas enquanto usava uma braçadeira com uma suástica.

O ataque aconteceu no prédio em Monte Mor, interior de São Paulo, que abriga a Escola Estadual Professor Antonio Sproesser e a Escola Municipal Vista Alegre, onde o agressor havia estudado até o 5º ano do ensino fundamental. Ele é menor de idade e não teve a identidade divulgada.

O jovem foi encaminhado a Fundação Casa e a Guarda Civil também localizou um diário,no qual o rapaz escreveu que estava “pronto para morrer”e que era “motivado pelo ódio e pelo rancor”.

No final de 2022 em Aracruz um adolescente, com uma suástica no braço, invadiu duas escolas matou 4 pessoas e feriu outras 13 a tiros.

Esses e outros casos  cada vez mais constantes, acende um alerta para o crescimento do antissemitismo no Brasil e da apologia de nazismo em instituições de ensino, acendendo um alerta para a propagação de símbolos e ideias hitleristas no ambiente escolar.

Os incidentes são reflexo do fortalecimento da ideologia neonazista de extremistas presentes em várias partes do mundo e que se achavam no direito de expressar e dizer qualquer o que pensam e sentem.

Esses grupos atuam no Facebook, Instagram, Twitter, Telegram e em plataformas menos conhecidas, como a rede social russa VK e a americana Gab, além de fóruns on-line e endereços da deep web, o submundo da internet.

Nos últimos anos, o Brasil foi palco de dezenas de casos de inspiração neonazista. O número de células também se multiplicou no país: passou de 72 em 2015 para 1.117 em 2022, segundo monitoramento feito pela pesquisadora Adriana Dias, antropóloga e doutora pela Unicamp cujo trabalho serve de referência para a polícia e o Ministério Público.

Essa ideologia proliferou com o tempo em muitos grupos e associações, que atuavam na clandestinidade, mas também adentrou na política profissional com a formação de partidos que aglomeravam os neonazistas. Esses partidos utilizavam uma linguagem mais branda para mascarar a influência nazista.

Os neonazistas resgatam inúmeros elementos do nazismo, como a ideia de supremacia racial e o antissemitismo, portanto, há um ódio muito forte aos judeus nesses grupos. Além disso, os grupos neonazistas são caracterizados por um ultranacionalismo, o que os leva a assumir posições xenófobas.

Os neonazistas também são extremamente homofóbicos, além de assumirem posições misóginas (sobretudo contra mulheres assumidamente feministas).

Aqui no Brasil a concentração desses grupos é extremamente alta nas regiões Sudeste e Sul, especialmente nos estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os grupos neonazistas do Brasil incorporam os elementos básicos do neonazismo, como o ódio contra negros, homossexuais, judeus etc. Além disso, os neonazistas também concentram seu ódio contra migrantes de outras regiões do país, sobretudo contra os nordestinos.

Dias avalia que há três elementos que contribuem para o crescimento dessas organizações. O primeiro deles seria a impunidade. “Os grupos atuam há bastante tempo com bastante impunidade. Se você não tem uma punição severa a esses grupos, eles vão crescer e se expandir”. O segundo elemento seria o desconhecimento do que foi a Segunda Guerra Mundial e do que foi o Holocausto. Um terceiro elemento seriam as falas inflamatórias que ganharam força nos últimos anos.

O risco de aumento da violência é real, especialmente porque esses grupos se caracterizariam pela discussão de atos de violência e pelo fato de que postagens indicam o acesso a armas.

Muitos adolescentes se identificam com o discurso de ódio, pois se sentem aceitos, ouvidos e acolhidos por esses grupos, que não julgam seus ímpetos e os sentimentos tão intensos que ocorrem na adolescência.

É preciso abordar o tema e ativar o sinal de alerta.

Justamente para não dar palanque a essas ideias, precisamos falar sobre criminalização de movimentos de ódio e resgatar a questão crucial: compartilhar humanidades.

A internet não é só um espaço de comunicação, é um espaço de socialização, que se por um lado dá voz a esses grupos violentos, também dá condições para o avanço de grupos democráticos. A questão é: precisamos fortalecer os espaços democráticos na internet e ter regras mais fortes para conter crimes de ódio, difusão de discursos violentos.

É preciso que as escolas falem sobre o tema, ouça os alunos e suas dores, dar atenção à saúde mental, houve um aumento significativo de transtornos psíquicos na população em geral – a pandemia contribuiu significativamente para isso – e ainda não há uma resposta à altura em políticas públicas para atender à essa demanda.

Precisamos também refletir sobre algumas questões:

O que os estudantes podem fazer ao notarem um comportamento estranho de um colega de turma? No que os pais e familiares precisam prestar atenção? Como as igrejas podem construir uma cultura de paz na sociedade? Como os artistas, os atletas, os influenciadores digitais, os formadores de opinião podem contribuir para evitar que tais tragédias se repitam? O que um cidadão comum pode fazer?

Muitas dessas reflexões ainda não têm respostas, mas somente com o envolvimento de todos é que o País terá força suficiente para lutar, seja na busca por mudar a legislação, criar novas políticas públicas ou ainda influenciar na mudança de comportamento da sociedade.

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